terça-feira, 24 de julho de 2007

Xeque - Mate


De chapéu escuro e cara escondida
Abrigado no amâgo daquelas noites frias
Caminhava ele por essa rua
Esguio vulto estranho
Por de baixo de painéis luminosos
Contornando duvidosas esquinas
Insensível a dúbia gente
Iluminado pelo céu estrelado universal
De passo firme e ritmado
Há sua volta existem sons, vida e brilho
Os semáfaros coloridos
Os zumbidos de multidões automóveis
As mulheres de cristal dançantes
E tudo isto e muito mais lhe escapa
Corpo vazio, sem conteúdo
Olhos negros como o abismo
Sem vivacidade ou desejos
Encaminha-se para mais um caminho
Mil vezes antes percorrido
E que outras mil vezes será cumprido
Alheio a tudo e o demais
Copo de água ausente
Não vê para além do cimento a seus pés
Não olha para lá da avenida em que caminha
As ruas não lhe importam
Os ruídos não o pertubam
O vagabundo efeito algum produz
A prostituta não o seduz
A cidade, a noite, o frio
São para ele o mesmo que ele próprio
Ausência de matéria e interesse
Vulgaridade absoluta sem fim
A sua jornada contínua
Infinita como todos os seus dias
Ciclos de começos e finalidades
E, ao seu destino chega
Imponente prédio de inúmeras janelas
Imensidão de estrelas decorando as suas frontes
De chapéu na mão e cara descoberta
Iluminado vulto estranho
Faces brancas iguais a tantas outras
Rosto que nada diz
Mais uma vez no seu escritório se encontra
Perante a sua máquina de escrever
Perante os seus papéis e canetas
Estranho indivíduo sentado
De coração vazio e alma por encher
Interroga-se sobre o que é que há-de de escrever
Os seus sucessos já foram
A sua juventude e imaginação,
Não são mais que um filme agora
E apenas lhe resta reescrever
Histórias tantas já contadas
É um escritor frustrado
Que repete para si vezes sem conta,
Estás acabado!

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Avenida Dele Próprio


De noite, bem no escuro
Ele andava por aí.
Era a presença no beco,
O vento que arrepia,
O gás intoxicante,
A sombra fugidía.
Tal contaminação de alma
Que acaba por nos purificar
Piruetas mirabolantes,
De pássaros dançantes.
O vangabundo coberto de poeira
O bêbado vestido de alcoól
O vomitado no chão manchado
Tudo isto ele era
E muito mais se espera
Folhas pulsantes de raros seres
Nauseabundo cheiro de doces perfumes
Nele há luz e vibração
Droga estática que nos consome
Esmalte pingado no balcão
Pintura esborratada de uma mulher sem memória
Em todos nós o sentimos
Intrépidas mãos, frias como o metal
Deseja a vivacidade,
Suga-a com vontade,
E cessa de existir a realidade.
Malvado ser que se esconde no esgoto
Por de trás da esquina observando
Num telhado empoleirado
Atrás de nós vigiando
Ele é o conto, a história e a paixão
Cigarro aceso de fumo apagado
Avé Marias e poligamias
É de um mundo complexo de tudo o mais
Ressureição de vidas estagnadas
Suicídios de bolhas brilhantes
De vitíma escolhida, assassínio marcado
Almas adormecidas, sonos pausados
Ele é o metal, cimento e tijolo
Nele eu viajo, ser extasiado
Os meus olhos observam-o
Néons flurescentes,
Sinais intermitentes,
Viagens intensas,
Janelas imensas,
E os quadros da sua vida
São o êxtase dos seus traços.
Vivos, compassados
Energéticos, drogados
Intensidade de cores e brilho,
É o cubismo, surrealismo, futurismo
Linhas rectas de redondas faces.
Assim ele o é,
O pobre que pede,
O cão que geme,
As prostitutas de saltos
A escuridão de bairros.
Ele o era
E muito mais se espera

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Insónias


Aquelas noites,
De brisas electrificantes
De corpóreos rugidos monumentais
Mágicos luares passados
Tumultos deslavados
Foram assim, finitas noites esplendorosas
Memórias obscuras, desfocadas
Acrescidos sonhos que o foram
Na curta vida existencial, mais um tesouro que naufragou
Diminutos dias estrondosos
Aqueles por que delirei
Viagens a Índias impossíveis a que rumei
Aliciamentos em terras de marfim
É o testamento a que me proponho
Que aqui se encontra descrito
De alegrias e emoções eternas
As tais que desvanecem com o tempo
Sou assim, a testemunha de luzes e sons
Espectáculos mirabolantes dos meus pensamentos
Choros de alegria, gritos de prazer
Irmãos de ocasião
Corações em união
Linguagem universal de fantasias
Sonhos momentaneamente realizados
Posteriormente desfalecendo
Eu e a demais multidão
De gritos em irmãs causas
Cruzados em demanda pela felicidade
As batalhas calmamente travadas
Em excitamento e confusão ordenada
Diferenças onde não existem, semelhanças que diferem
Igualdades de razão
Por breves momentos fomos unos
De esperanças concretizadas
Corações de janelas abertas, puros
Sístoles sincronizadas com ardor
Somos o desespero e a emoção
De o nirvana alcançar
Somos o choro e a alegria
De tal experiência vivida
Quero explodir de sentimento
E bramar aos céus tamanha perfeição
Por breves momentos, nada mais importa que a paixão
Tal apego a incomparáveis tesouros
A capacidade de sentir com tamanha vivacidade
Mas fiquemos por palavras
Aquelas que descrevem a emoção e o sonho
Esses que já vão longe
E com isso teremos de nos contentar
A memória de tais palavras que aqui permanecem
O espectáculo acabou
Os grandes gatos recolhem a suas jaulas
E o sentimento desvanece
O testemunho cai no esquecimento
Mas por breves momentos
Fomos heróis de tempos esquecidos
Irmãos em cruzadas impossíveis
Luzes e sons de paixão irreal
Fomos...Os nossos sonhos e esperanças realizadas
E assim a cortina desce, o circo desaparece