quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O Silêncio do Piano


Este é mais um conto
Daqueles que ouvi contar
O mais engraçado de tal aspecto
É que eu sou o objecto em concreto

Havia uma parede
E nela emolduraram-me
Por três dias berrei
E ao quarto desesperei

Talvez ouviram-me
Por entre lágrimas derramadas
Mas o que mais dói
São as suas palavras

Falam em desaparecida
Rapariga morta
E no fim de contas
Sou torturada e eles idiotas

Estou viva, para morrer
Tudo debaixo dos seus narizes
Estou prestes a enloquecer

E no meu último suspiro
Não sei para que penso
Ao menos encontra-me, dá-me descanso

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A Fuga das Ideias


Numa praça
Um tanto para o esquisita
Existiam para lá muitos gatos
Mais o seu pastor incerto

Coisas banais estes faziam
Como miar bem alto
Correr sem destino
Ou chatear o seu dono sem tino

E por isto que eu dizia
Decidiram escavar a minha cabeça
Não queria ligar ao que se fazia
Mas muito ia doer decerto

Queria dizer que não morri
Mas da mente tiraram-me todo o afecto
Tanto pior se fossem choques
A verdade é que os gatos já não se chegam perto

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Quando a Lâmpada Funde


Entrei devagar,
E de muito mansinho
A cidade estava deserta
Apenas se ouvia o murmurar do cimento
O rio parou,
Queria escutar também
O esgosto deixou de funcionar
E os animais que ficaram
Eram de pedra mais dura que os edifícios.
Por entre o pó acumulado
Os passos que seguia
Um após o outro,
Ecoavam por entre as ruelas
Assim foi a entrada:
Um pouco para o torto.
Olhei para o céu
Tinha esperança
Do quê, não me lembro
Mas tudo o que sei é que era cinzento.
Procurei um interruptor
De pouco me serviu
Este facto era certo
Se nem tomadas havia.
Senti-me estranho
Na pele de outrém;
Seria mais uma barata
Estéreotipo reles
Sobrevivente de um apocalipse?

Abri os olhos,
Tão depressa quanto podia
Banhado em suor
Queria dizer que tinha companhia
Mas a cama,
Essa era só minha;
Boa noite pesadelo
E respiração acelarada
Tomei um comprimido
Pensei controlar a insónia que me assombrava

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O grito do Circo


A dor existe
Não sei porque dói
Pode parecer ignorância
Mas muito me mói

Já gritei
E muito berrei
Poucos ouviram
Ou tudo fingiram

Esperneei no chão
Debati-me que nem cão
Mas sendo um gato
De pouco serve-me o facto

Num canto quedada
De garganta cortada
Cego os olhos do mundo
Mais os seus ouvidos mudos

Ah! Em mim tenho montanhas
E é como se tivesse pouco
Nos campos feitas as colheitas
Tudo o que ficou foi oco.

Era uma vez um acordeão


Em todos os contos
Que começam por era uma vez,
Um, dois e outros mais
Contos para todos e demais
O meu não difere de tal tradição.
Com isto presente,
E bem consciente
Era uma vez,
Pequena Injúria
Grande sombra sem dúvida
Poderia andar, correr ou dançar
Que ao meu lado acabaria por ficar
Mas de uma habituação feita
A minha alma já não está insatisfeita.
Mas não se enganem, é verdade
A Injúria é uma realidade
E nesta estranha sala
Onde o silêncio e insanidade
Juntos se encontram com fervor
Um pequeno Peixe dourado
Gira e torna a girar
E tudo isto a respirar;
Pouca importância tem
Pois para vós nada desperta
A não ser desejos de bandeja.
Mas velho Dumas cinzento
Na sua campa contorcendo
Vociferando injúrias
Pois tantos dias para a volta ao mundo
Pequeno dourado leva um minuto
Pobre cabeça a minha
Já não é o que era
Pelo menos sempre me dizem
E outra coisa não se espera,
Perdoem-me a confusão
E esta ilusão.
Ela, Injúria
Ri-se da minha figura
Mas preso de boca e corpo
Resta-me apenas o pensamento
E na situação em que me encontro
Não tenho defesa
Nem tão pouco possibilidade
Acreditem em mim
Na minha peculiar existência
Vejo desenganos e mentiras
E com nada posso lutar
É tudo culpa dela!
Injusta Injúria que me persegue.
E no meio disto tudo,
Oiço alto o acordeão
Pois estou num Hospital Psiquiátrico

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Os Mal Amados da Sociedade


Tenho a certeza,
Até certa medida
De pequenas coisas a outras mais.
Neste dia de suposta paixão
Que a muitos encanta,
Tamanha ilusão pegada,
Mete nojo e muito me farta!
De queixumes a choros
Muitos corações quebrados,
Mais os sem abrigo gelados;
Calem-se! Não quero ouvir lamúrias,
Pouco mais acusações ou injúrias
Neste dia de falta de romance
Pura lavagem comercial.

E extintos para lá do tempo
Nobres romancistas perdidos,
Góticos e obscuros
De amores impossíveis:
Mulheres de láudano suicidas,
Aquiles Homens que choram.
São precisos dois séculos de tempo
Para que eterna mudança se verifique
O amor não vem mais da alma,
Mas de um coração de esferovite.

Não chores, chiu.
És um chapéu perdido
Num sotão para sempre comprometido;
E em folhas lilases,
Num enterro chamado funeral:
Era uma vez tuas plumas,
E o amor morreu.

Não cantes, não dances
O amor faleceu

As flores murcham,
Os chocolates azedam
O beijo não acontece,
E o teu cavaleiro parte
À busca de outra donzela
Aquela que para o ano espera.

Não te enganes mais,
É gato sim senhor
E não tem botas;
Rossa por entre as tuas pernas
Enquanto procuras a carta ausente:
Abres o peito e lentamente despertas
Dor, paixão, absurdo.
Temos um dia de divídas
E uma alma confusa
Paga a quem deves,
Pois o barco não te espera.

Chiu, vamos dormir
A noite vai longa
E o amor não veio
Bem feita, faz-te bem!
Fica à espera,
Como quem não tem vintém
Aguarda e morre de uma vez,
Pois apenas assim
Curas-te de tanta malvadez.
E num dia de anjos,
Vira costas a tudo,
Aprende comigo e ganha juízo.