terça-feira, 26 de junho de 2007

Boneca de Porcelana


Sou boneca de porcelana de belos sorrisos
O meu vestido impecável e inocente
Frágil de aspecto e de olhos brilhantes
De porte rígido e elegante
Delicada candura de movimentos
Pequena figura de menina que passa de mão em mão
Louvares e deleites, suaves encantamentos
Sou a dama de branco na bola de cristal
Quebradiço brinquedo de exposição
Ninguém repara na minha agonia
Na timidez da minha aparência
No medo dos imensos olhares que me percorrem
Os meus gritos são silenciosos
Os meus suspiros abafados
Boneca perfeita de porcelana chinesa
No vestido que aperta
Trespaçada por fitantes buracos de arco íris
Quero parar de sorrir, de agradar à plateia
E dia após dia, hora após hora
Novas multidões se acercam
Comentários afáveis, discursos aprazíveis
Finjo, continuadamente, finjo
Este sorriso que esforço
Esta postura que não minha
Na suave tentação de Gepeto
Sei que a minha criação não é por mal
Este que, orgulhosamente, me apresenta
Eu, a sorridente boneca de porcelana
Filas que não o são, centro de comoção
Em rodopios e rodopios de mundo sorrio
Por quanto tempo mais?
Quero voltar a ser a Cinderela sem sapato
Gata Borralheira de cinza
Murmúrios de simpatias, desabafos de descontentamento
Compreendo Gepeto, desejos de contos de fadas
Eternidades morosas, infinitos tempos
Na estante empoeirada cá estou eu
Boneca de Porcelana de belos sorrisos
Frágil de aspecto e de olhos brilhantes
Carênciada de afecto, de excessiva atenção
Chôro de dentro, alegria de fora
Quero um abraço, uma doce emoção
Olhos aterrorizadores de inquisição
Na empoeirada estante que cá estou eu
Os impossíveis labirintos de completar
Sapatos de cristal, estes que possuo
De bom grado dou a quem os quiser
Abóboras e torres, essa maldição
Sou a Cinderela que Gata Borralheira quer ser
Olhos brilhantes de água salgada
Belos sorrisos fingidos
Elegante candura de rígidas vestes
Sou a boneca de porcelana chinesa
A primeira de infidáveis martírios
Inúmeras outras que se seguiram
Multidão de olhos cansados
Da criação de Gepeto fartos
Encontro-me no escuro frio, no pó vazio
Em solidão adormecida
O meu corpo cansado, o meu sorriso desgastado
A minha alma por encher
E o suave cantar do grilo se ouve
Canções de diferentes eras, armários de segredos
Para outros tempos estou guardada
Para outras alturas ser mostrada
Sorridente boneca de porcelana

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Naus e Caravelas


Estou presa em mim mesma
Incapaz de me libertar
Os meus sonhos destroçados por meras sobrevivências
Quero gritar ao mundo
Falar de injustiças!
Mas sou eu a cega, quem não olha a verdades
Enganei-me a mim própria
Mais do que devia
Ó Tágide minha!
Porquê tanta hipocrisia?
Falamos de bem, desejamos o mal
Más línguas falantes, venenos dispersantes
Quero ver, curiosidade felina
O resultado de tamanha epidemia
Luz brilhante de um fogo opaco
Destruição de vidas, apocalipse vindouro
Naufrágios de muita gente, qual Adamastor enfurecido
Não somos mais praia ilustre Lusitana
Meros destroços gloriosos
Fui sonhos e ilusões
Sou despojos e pilhagens
Quero fugir de demónios jocosos
Inúteis gladiadores mortos
Meu pobre, humilde batel
Não sobrevives à tempestade da minha mente
Tais esquerdas racionais, absurdas
Tamanhas direitas criativas, inoportunas
Que é de mim e da minha rota?
A caminho das Índias, América perdida
Afogo-me cada vez mais em incertezas
De que alguma vez conseguirei respirar
Doce Inês de Castro perdeu-se em amores
Lá se foi a sua cabeça!
Perde-se-me o juízo
Lá se vai a minha certeza!
O mundo dá voltas e muitas voltas dá
Mas contínuo sem compreender
Engano-me a mim própria
Mais do que devia
Deixo fugir-me por entre os dedos
Alto lá que é ladrão!
A doce ironia de roubar a minha pessoa
Não me condenem já
Não me mandem para a fogueira
Sou pessoa só mais uma multidão
Inconstância de pensamento e acção
Deitei tudo a perder por caprichos e especiarias
Enconberta da manhã, rasgo branco de esperança
Fugi, de novo, a mim mesma
Enganei-me a mim própria
Mais do que devia
Os sonhos naufragados nessa doce maresia

sábado, 23 de junho de 2007

Fúteis Existências


Inúteis tempos mortos,
Tempos de quem já foi
Tempos de quem é
Tempos de quem será
Momentos angustiantes de existencialidade
Esperamos, longamente, esperamos
Não somos nada mais que nós mesmos, e ainda assim
Algo mais, pertubador
Existências postas à prova
Inutilidades testadas
Divergências, convergências, futillidades
Todos esperamos, absurdamente
Angústia de exércitos de palavras
Desesperantes gritos agudos, no abafado silêncio de alinhamento
Existência vâ, sofrimento oco
Falta-nos a esperança por pouco
Miseráveis queixumes de ninguém
Comparamo-nos a sofrimentos mundiais
Para nada sabermos o que é sofrer
Que é isso, sofrer?
Sofrer realmente como quem já sofreu mágoas e injustiças
Somos ninguém em nenhures
Vacilamos por meras casualidades
Fracos, cruéis, mesquinhos
Mas, esperamosLongamente esperamos
Inúteis tempos mortos, não o deixam de o ser
Sofredores por minímas causas, seremos
Esperamos longamente, por longas horas
Suave martírio moroso, tic-tac
Finalmente acabou
O toque soou

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Amor de perdição


Andava por aí
Sem saber por onde caminhar
Acordava porque era regra
Sem vontades próprias ou desejos
Encontrei-te a ti, a andar por aí
Dia após dia, a mesma programação de rotina
Transparência sem vida
Olhei e tu olhaste, reparei e tu ignoraste
Para ti, só o abismo importava
Aquele em que te encontravas
Preocupei-me, em vão, por ti
Assim ficou escrito, pois tu o disseste
Não queria afogar-me em mágoa
Quis agarrar-me a ti mas não deixaste
Conversas inúteis, passar do tempo dia a dia
Milagre dos céus, que terá acontecido?
Mudaste para mim, o teu olhar aquecido
Subtil mudança de suaves brisas
Ganhei corpo e espírito para ti
O fim da existência de um mero fantasma
Eras a esperança que procurava
Ainda assim, como todas as maravilhas
Existe sempre um mal maior
O meu coração quebrou, parei para ouvir os seus estilhaços
Anjo maldito que há em ti
Não te condeno por sonhos irrealizados
Admiro-te por sinceras palavras
Verdades e coragens pronunciadas em cemitérios silenciosos
Uma promessa para toda a vida
Tornar-me-ia demónio por ti, senão fosses já iluminado
Alusões a tempos dolorosos, mágoas que não foram esquecidas
És o príncipe do passado, rei de areias movediças
Quero terminar esse reino de sofrimento
Elevar-te a um paraíso de felicidade
Utopia impossível, sonho de menina
Alegria de tempos presentes, arrufos de tempos futuros
Andava por aí
À procura do teu jardim
Encontrei-te assim, à procura de uma árvore
Essa que por fim, selaria o pacto para a eternidade
Árvore imortal de tempos infinitos
És o calor do meu coração, chave de um baú sem cadeado
Palavra de algo real
Feitiço de um canção eterna
És o Valete de Copas, eu a Dama de Espadas
Separados por fronteiras, juntos por corações
Pensantes cabeças de igual, espelhos de água um do outro
Um dia desejo, que este sonho que escrevi
Seja a realidade dos meus dias
A moldura, finalmente, preenchida

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Encontros banais

Um dia encontrei-te
Começámos a falar
Eras só incertezas, nem tu próprio sabias o que dizias
Horas esquecidas, conversas que não ouvias
Falava contigo mas parecia que não compreendias
Estás aí?
Respondeste que sim
Afirmaste que te distraíste
Olhar confuso, abstraído
É assim, falar contigo, dialogar com uma árvore balbuciante
Palavras de folhas caídas, tempo perdido
Desabafas o teu coração
Choras o que não tens, deitas a perder o que possuís
És um puzzle de cem peças
Falamos, uma e outra vez mais
Bloquei-os mentais
Voltamos ao mesmo, quantas vezes já?
Não prossegues, não retrocedes
Estamos a falar de quê?
Percebo-te ao mesmo tempo que não
Deixas-me confusa, perplexa
É melhor ir-me embora, há mais que fazer
Pedes para esperar, momentos estagnados
Explicas, uma e outra vez de novo
Tenho um problema, não te acompanho
Mil perdões e desculpas
Falas de vazios e esquecimentos
No entanto, até que é agradável
A cabeça fica leve, por te encontrar
Silêncios, uma e outra vez de seguida
Estávamos a falar?
Já não me recordo
Procuras a perfeição, eu o infinito
Acho que acabou, o cruzar do nosso caminho
Adeus, foi bom poder falar contigo
Até um dia, até mais
Espera, digo eu
Porquê falar de esquecimentos?
Pergunto algo para o qual já sei a resposta
Talvez, penso eu, por querer ouvir de novo
Fingimos que nos importamos
Dizemos que não vamos esquecer
Porém, temos o tempo contra nós
Mudanças de forças imagináveis
Finalmente, o adeus
Digo até breve, mas não acredito
Pronuncias um até amanhã, não é sincero
O nosso tempo acabou, o nosso caminho descruzou
Novos tempos e destinos
Foi bom conhecer-te, foi bom falar contigo
Até logo, meu amigo

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Os Baloiços


O sono já é muito
Suave canção de embalar que me fecha os olhos
Doce infância desejada
Saudade intensa de um alegre tempo
Sou a criança que nunca cresceu
Sou a esperança de um castelo encantado
Adocicado o cheiro de flores frescas
Relembram-me a minha mãe
As tenras carícias do seu colo seguro
Tristezas, pesadelos, noites mal dormidas
Choros infantis de monstros imaginários
Aconchego do meu coração saber que me seguraste
Infância perdida
Sou o tempo gasto a querer crescer
Sou o tempo inútil a querer rejuvenescer
Quando era criança, era alegre
Mas agora, o que sou?
Massa cinzenta abstracta
Obtuso ser complicado
Anseio pela simplecidade de ser
Apanhada, escondida
Estrelas mágicas, ilusões misteriosas
Quem era o homem atrás da minha porta?
Nunca saberei, já cresci, desapareceu
Onde estão as vozes?
Não sei, já cresci, desvaneceram com o tempo
Tento, cada vez mais, em vão, acreditar
Fadas, dragões, sereias, feiticeiros
Jamais vieram procurar-me
Eles que prometeram, que nunca iria crescer
Que sou eu agora?
Cálculo, matéria, relatividade, filosofia
Essência orgânica degradável
Querem que eu envelhaça, lentamente
Consciente da minha própria mortalidade
A tortura eterna
Quero os sonhos que me pertencem, os desejos roubados
A minha infância perdida, oiço-a não muito distante
Mas não é algo mais do que o passado
Momentos esses que se afastam
Estas palavras são o diário do meu envelhecimento
Acréscimos de frases turbulentas
Fui enganada, os meus sonhos apagados, os meus desejos alterados
Quis voar, mas agora quero sobreviver
Não quero ir dormir, não quero iludir-me
A criança que fui desapareceu
Raptaram-me e ninguém me procurou
Sou um capítulo inacabado, mas quero ser a frase inicial
Sou a passageira de uma vida que observo à janela
Vejo crianças a brincar, mas não estou entre elas
Perdi-me e tento encontrar-me, a agonia de não saber onde pertenço
Sei que sou criança, contudo dizem que não
Há muito, que não vejo o homem atrás da porta
Há muito, que não oiço as vozes
Há muito, que cresci
Vim a este mundo para o deixar
Maravilhoso mundo de ilusão
Somente nas lendas referido, poderemos apenas imaginar
O sono já é muito
Por favor, mãe, deixa-me ficar acordada só mais um pouco
Quero ver as estrelas a dançarem
Quero ouvir as árvores a falarem
Quero... Infinitamente sorrir de alegria
Por favor, mãe, só mais esse desejo
E, depois, finalmente cresço

terça-feira, 19 de junho de 2007

Amantes


Amor à primeira vista, hipnotizante
Alma gémea encontrada
Sentimento sincero, duradouro
Ilusões corporais que toldam a vista
Embriaguez química de um instinto animal
Profundo desejo despedaçado
Casamento atraiçoado
Emoção verdadeira, arruinada
Amor de perdição, divorciado
Confusões de afecto e sentimento
Paixão e desilusão
Cama quente, fogo ausente
Chama de uma noite gelada
Concretos seres e aberrações corpóreas
Somos a carta de amor ardente
Sereias cantantes, hinos de paixão falante
Filhos da abstracção inexistente
Ai de nós meros mortais
Frutos de lanças e guerras
Os Deuses em desacordo
Somos a esperança de que o amor exista
Instinto que desvance
Animais amantes num orvalho distante
Lua Cheia que transforma heróis em monstros
Avassaladora guerra, uivos da noite
Gritos de quem lançou as suas armas
Sete almas perdidas mais o resto da sua gente
Paixão verdadeira multiplicada pelos demais
Fiéis orgias para todos
Monogamia fingida
Culpado quem quebrar a preciosa regra estabelecida
Senhor que estais no céu, santificada seja a vossa multiplicação
Gémeas almas atraiçoadas por animais instintos
Tomai todos e bebei, este é o meu corpo que para todos vós partilho
Leito quente, coração frio
Amor e desejo
Suave pecado permitido
Longos minutos, curtas horas
Prazer de um serviço concluído
Dilemas morais impedidos por emoções fervorosas
Os Jardins de Baco são bem apreciados
Ninfas sedutoras, carne fraca
Somos o que negamos ser
Monstros da Lua Cheia, Lobisomens uivantes
Nocturna noite clarificante
O rumor das flores dançantes
Suave néctar derramado

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Cisnes


Fantasma de gritos abafados
Sorrisos que ninguém vê
Olhares desajeitados, fingimento absurdo
Essencialmente existo, desconhecimento de ausência
Rasto apagado, a luz fundida do sol
Sou assim um pássaro que se recusou a migrar
Afluência de banalidades, migrações sociais
Múrmurio das folhas do meu jardim
Árvore minha, poiso meu
Fiquei para o Inverno, quis ver a fonte gelar
Olham através de mim, para além do meu paraíso secreto
As minhas infinitas cores por definir
Para trás fiquei
Os meus gritos são múrmurios
Pássaro migratório solitário
Todas as estações têm o seu esplendor
Ignorância padecida
O meu jardim é silencioso, a estação da morte aproxima-se
Para trás fiquei
Aberração de cores
Sou o fantasma que ninguém vê
A minha fonte é cristalina, o meu sossego precioso
Esperança de cisne, fado de desilusão
Os eleitos da jornada retrocedem no tempo
O Verão desejado de um tempo finito
Ouvidos moucos não ouvem, esses que são todos iguais
Sozinha no meu jardim, solidão momentanea
Raridades do Jardim Selvagem
Há cantos no meu paraíso
Poucos que ficaram, cantares de maravilhas
O Inverno não é só o adormecer
Nem tudo é o que parece
Esplendor de cores, rejubilação do meu jardim
Carvões de diamantes
Vozes ouvidas, confissões secretas
Fantasmas translúcidos, assombrações de outros desiguais
Transparência ignorada, inúteis migrações
Vôo alto,para os confins do meu paraíso
Cisnes de diamantes, arco-íris de emoçôes
Sou essência para quem me vê
Alegria do tesouro apreciado
Migrações porquê?
Falsos olhos que coisa alguma vêem
Olham paredes, alusões a um nada concreto
Escolhi ficar, num jardim que é o meu
De quimeras absurdas afastei-me
Procuro o meu caminho
Sussuram palavras que oiço
Eu grito silêncios mudos
Aterradores monstros que não o são
Imaginações verdadeiras
Rouquidão desnecessária, alma opaca

domingo, 17 de junho de 2007

O Monte Juno


Sou a faca que corta o teu espírito
Emoção perdida
Tenho alma e desejos, ardores por cumprir
A luz do horizonte, corte sombrio
Sou Cerberus, guardião de um fraco destino
Almas despojadas do seu brilho
Heróis do mundo, servos do demónio
O seu sangue é apenas um rio de cadáveres trocidados
Deuses cortantes de espíritos lacerados
O meu dia, ganhei-o ao descobrir qual é a tua luz
Ele assombra-me, sussura-me ao ouvido maravihas danadas
Aqueles que a usam, fantasmas rasgados
Lâminas de ardor e tortura
Tu que criaste a seita, não te importas com as almas maceradas
Escolheste o sofrimento como o caminho da salvação
Não fui eu que o decidi
Sou apenas a julgada de tais pensamentos
Tu és o injusto da tua justiça
Brotas-te o mal das tuas lágrimas para teu bel-prazer
Torturas almas já atormentadas
O teu belo sorriso assusta-me
Com o prazer dos rituais no monte sangrento
Ensinas ilusões de amor e humildade
As promessas de dor e sofrimento
És a cura da visão para os crentes
Tua flagelação vã e brutal
Saudações ao reino dos cânticos malditos
Tormento de massas mundiais, mortes vãs por ti
Sacrificantes ocos da tua religião
És o oposto do teu bem, o mal herético que julgas
Assasinos que saudam violência e horrores
Adoradores de morte e sangue, vampiros de deus
És o mal que condenas
Exército de luz negra, as lâminas em riste!
Tribunal de demónios, banco dos réus
Será que estou errada?
Não! Não pode ser verdade!
Fujo da tua opressão obscura
As sereias que cantam querem devorar-me, frágies Ulisses indefesos
Canções demoníacas, lâminas aguçadas
Boa nova de falsas esperanças
Angústia do meu leito de morte e extrema-unção
És o terno e falso Deus

sábado, 16 de junho de 2007

De olhos fechados


Estou na cama a dormir
Enroladinho em mim próprio
Num eco bem distante, oiço lá do fundo passos
Sinto uma mão a passar na minha cabeça
Estico-me, espreguiço-me, bocejo
Ah, sabe tão bem as suaves carícias
Sou mimado e não me importo
Gosto da minha independência e, ainda assim, atenção de vez em quando
Sabe que nem salmãozito assado
Vamos falar de mim?
Sou fofo e extremamente charmoso
Autêntico Valentino de primórdios antigos
Ligeiramente orgulhoso, humilde e gentelman por excelência
Faço as delícias de senhoras e crianças
Bichinho social amoroso
Contudo, a má língua
Essa tagarelice malvada!
Afirmam que apenas durmo, como e mordo
Fineza como eu jamais faria tal coisa
Apenas de vez em quando, pura brincadeira
Orelhas bicudas, olhos aguçados
Natural curiosidade para tudo e nada
Como todo honrado felino detesto água, coisa absurda banhos!
A minha língua bem que é mais eficaz e preferível
Trato de mim constantemente, asseado e brilhante
Qual pêlo eriçado?!
Bom, isso apenas se apanhar um susto
Continuando a falar de minha gateza
Adoro banhos de sol e luz artificial
Buracos confortáveis são lugares de preferência
Arroz doce e cherne estufado, manjares do céu
Bolas e bolinhas, fios e lãs, roupa e peluches
Iguarias maravilhosas
E, não poderia falta, um conselho de minha importante personalidade
Para atenção acrescida, não esquecer de pisar os coentros do protector
Cá entre nós, não acredito em donos como os demais
A honra da minha presença já é mais que suficiente
Traquinices que derretem corações
Meiguices que não ocupam tempo
Sou um amigo para todas as ocasiões
Felino de guarda de solitárias noites
Sim, sou eu, fiel gato para todas as horas
Não esse gato de botas, coisa desconfortável
Orelhas e olhos curiosos
Pêlo asseado de que modos eriçado
Sou um senhor de bigodes galantes
Vou ficar para ver, enroscadinho a dormir, que a espera é longa
Não gosto de chá, mas leite serve
Vou ficar por aqui, enroscadinho a dormir, que gosto de falar contigo
Pelo menos, a fingir que durmo

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Barqueiro do Rio


O que é a morte,para além do meu fim?
Morte física, morte psicológica?
Será o paraíso?
O fim da jornada do conhecimento que é nada saber
Será o paraíso?
Jorros de mel, rios de melaço
Doce vida, triste canção
Sou a concentração da matéria do universo
A morte é o meu fim
Será?
Momento longíquo à minha porta
Que é feito da minha essência?
Já há muito que partiu, muitos dirão
Partiu mesmo?
Sou o ser que sou à procura de significado
Procuro a morte, procuro a vida
Procuro, vasculho, encontro...
O conhecimento obscuro da luz infinita
Barqueiro, barco, moeda
O limbo dos meus sonhos
Inferno do meu coração, paraíso de ilusão
Heróis e lendas de pouco me servem
São fantasmas que se agarram à barca
Confusão desse pastor do rio
Observar, olhar,
Ver com olhos de quem olha
Sou a amante da vida, mulher da morte
Procuro o fim, obtenho divagação
Palavras árduas
Atentai que sois vós que se chocam a si próprios
Vocês e os demais
Com medo da própria morte que causam ao vosso espiríto
Estrela guia do meu ar, Caciopeia fingida
Mentiras, mentirosos
Atentai que sois vós que se chocam a si próprios
Verdade da mentira
Olhai e petrificai... Amén
Religião oca, ensinamentos ensaguentados
Violência da vida, paz da morte
A morte é realmente a morte?
Questões, respostas, interpretações...
Amor ao mar, demónios de naufrágios
És o tronco da arvóre que tudo observa
Não vês?
Abre os olhos e vê
Paraíso obscuro, sangrento
Inferno brilhante, apaziguador
Sou a alma torturada de uma vida sem respostas
O meu cárcere sou eu
Palavras ocas que nada significam
Mentiras, mentirosos
A peste, essa encontra-se no nosso coração
Almas corrompidas por falsas esperanças
Falsas ilusões realistas
O caranguejo tem pinças, tu tens o quê?
A morte e vida, mentiras e mentirosos
O mar contém em si a sua imensidão, em ti que conténs?
Enganaram-nos!
Na verdade, (será essa a verdade?)
As mentiras foste tu que as contaste
Os mentirosos foste tu que os criaste
Canção arruinada, vivacidade mortal
A tinta que manchou o meu vestido, a estrela que morreu
Morreu?
Sou a mulher da morte, a amante da vida
O meu filho é a ilusão de que um dia a minha prece seja atendida

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Mar de Sargaço


A ambiguidade
Essa inteligência e ignorância que nos define
A astúcia que nos caracteriza como capacidade superior
Somos, acima de tudo, um deslize de um luar à meia-noite, ainda assim, aclamados de desejados
Somos, pensamos, sonhamos, desejamos...
Uma infinidade de coisas e coisa alguma
Somos, sim, acima de tudo, um nada assombrador
Confusão, alheamento
Perdidos no mais puro amâgo da ilusão
Somos, o que decidimos ser dentro da realidade dos nossos sonhos
Estamos já descritos na metáfora que é mundo
Somos, pedaços de nós mesmos e de outros demais
Seremos?
Um fruto que apodrece em contínua dor e angústia
A decomposição perante a alegria que é desaparecer
Somos um fluxo de palavras que escorrem da nossa mente
Um breve e suave rio
Tempestuoso, torrencial
Assombrando-nos com cada frase pronunciada
Será tudo um sonho?
Somos criadores e a criação de nós próprios
Razões de ausência da mesma
Irracionais por demais, ignorantes da própria dor
Somos a revolução da própria ausência sem significado
Uma revolução sem nome, heróis sem alusão
Perdidos, é o que realmente somos, o erro proveniente de nós mesmos
Puro castigo da injustiça
Essa injustiça de vir ao mundo e viver
De possuírmos em nós o azar ou fortuna de alçancar a felicidade e demais
Será que é necessário ser?
O contínuo jorrar de uma angústia sem fim
Se chorar baixinho, ouvirá alguém os gritos da minha alma?
As palavras, doces e malévolas
Somos quem somos
Somos assim o nada
Aversão de nós próprios
Alergia à nossa pessoa
A imensidão do nosso cérebro será?
Algo pequeno, diminuto,o momento eterno que é a nossa vida
Ah, sim...
Somos o infinito poder de coisa nenhuma
Somos a vasta complexidade do nada
Somos...Coisa alguma para além de nós próprios
Seres intragáveis, completamente amáveis no seu núcleo