terça-feira, 26 de junho de 2007

Boneca de Porcelana


Sou boneca de porcelana de belos sorrisos
O meu vestido impecável e inocente
Frágil de aspecto e de olhos brilhantes
De porte rígido e elegante
Delicada candura de movimentos
Pequena figura de menina que passa de mão em mão
Louvares e deleites, suaves encantamentos
Sou a dama de branco na bola de cristal
Quebradiço brinquedo de exposição
Ninguém repara na minha agonia
Na timidez da minha aparência
No medo dos imensos olhares que me percorrem
Os meus gritos são silenciosos
Os meus suspiros abafados
Boneca perfeita de porcelana chinesa
No vestido que aperta
Trespaçada por fitantes buracos de arco íris
Quero parar de sorrir, de agradar à plateia
E dia após dia, hora após hora
Novas multidões se acercam
Comentários afáveis, discursos aprazíveis
Finjo, continuadamente, finjo
Este sorriso que esforço
Esta postura que não minha
Na suave tentação de Gepeto
Sei que a minha criação não é por mal
Este que, orgulhosamente, me apresenta
Eu, a sorridente boneca de porcelana
Filas que não o são, centro de comoção
Em rodopios e rodopios de mundo sorrio
Por quanto tempo mais?
Quero voltar a ser a Cinderela sem sapato
Gata Borralheira de cinza
Murmúrios de simpatias, desabafos de descontentamento
Compreendo Gepeto, desejos de contos de fadas
Eternidades morosas, infinitos tempos
Na estante empoeirada cá estou eu
Boneca de Porcelana de belos sorrisos
Frágil de aspecto e de olhos brilhantes
Carênciada de afecto, de excessiva atenção
Chôro de dentro, alegria de fora
Quero um abraço, uma doce emoção
Olhos aterrorizadores de inquisição
Na empoeirada estante que cá estou eu
Os impossíveis labirintos de completar
Sapatos de cristal, estes que possuo
De bom grado dou a quem os quiser
Abóboras e torres, essa maldição
Sou a Cinderela que Gata Borralheira quer ser
Olhos brilhantes de água salgada
Belos sorrisos fingidos
Elegante candura de rígidas vestes
Sou a boneca de porcelana chinesa
A primeira de infidáveis martírios
Inúmeras outras que se seguiram
Multidão de olhos cansados
Da criação de Gepeto fartos
Encontro-me no escuro frio, no pó vazio
Em solidão adormecida
O meu corpo cansado, o meu sorriso desgastado
A minha alma por encher
E o suave cantar do grilo se ouve
Canções de diferentes eras, armários de segredos
Para outros tempos estou guardada
Para outras alturas ser mostrada
Sorridente boneca de porcelana

3 comentários:

Anónimo disse...

I once had a sweet little doll, dears,/
The prettiest doll in the world;/
Her cheeks were so red and white, dears,/
And her hair was so charmingly curled./
But I lost my poor little doll, dears,/
As I played in the heath one day;/
And I cried for her more than a week, dears,/
But I never could find where she lay.

I found my poor little doll, dears,/
As I played in the heath one day;/
Folks say she is terribly changed, dears,/
For her paint is all washed away,/
And her arms trodden off by the cows, dears,/
And her hair not the least bit curled;/
Yet for old sakes’ sake, she is still, dears,/
The prettiest doll in the world.
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Good Old Cat´s library

Leonor disse...

Gatos que lêem, isto é brilhante.

Anónimo disse...

Cristy:
tão perfeita por fora...
tão imperfeita por dentro...
por entre aplauos...
e solidão ao mesmo tempo...
simplesmente perfeito.
esquecida mas sorridente por outros tempos...