quarta-feira, 26 de março de 2008

O hélio do ar


A noite vai lenta
E o dia demora a chegar

Em pequenos sopros arde a lareira
E a cor dos teus olhos desvanecem;
São curtos os movimentos do relógio

Sopra-se um cabelo do teu olhar
E pede-se um beijo,
Prece nunca atendida

Tens tal fogo nunca pensado.
Quis parar
Dizer que é cedo
Recordar para a eternidade
Perder este meu medo

Vou deitar o meu espírito
Pousar este desperdício
Tenho mil e uma febres
E nenhuma por acalmar

Tal tempo,
Que tanto tempo demora a passar
É o meu borrão
A mancha que me corta o ar

Mas com os sons nos tímpanos
E cristais por conta de olhos,
Dou-te a faca
Para finalmente tudo afugentares

segunda-feira, 24 de março de 2008


De pedra no sapato,
Andei
Corri
Cheirei
Ouvi

Electricidade no corpo
A estática que senti
Pelos corpos que passava
Os encontrões que não contava

Tinha um todo em mim
E eu num todo
Seja a cores ou a cinzento
A ressaca era tremenda

Olhei quem não me via,
Mais algumas cores
Os tais edificios sujos
Imóveis num papel para sempre

Quis gritar, estava rouca
Quis ver, mas havia nevoeiro
Quis correr, acabei por tropeçar

Sou cega, surda e muda
Tal como tu e o resto do mundo
De pouco me serve a medicação
Se a realidade não me ajuda

domingo, 23 de março de 2008

Se sussurares não oiço


Pronuncia os sons!
O mais alto que puderes

Furei
Furei
É verdade que furei

Escava
Escava
Tentas, mas não consegues

Eu procuro por ti
Tu escorregas sem parar

Minhoca da cidade
Tela de perversidade
Capa de alumínio
Protecção desmedida
Sol da meia noite
Suor de brasa gélida

Em stops cortados
Há espera de sinais
Boas novas em falta
Ou uma tortura já mencionada

Fala-me ao ouvido
Sê meiga por favor
Toma conta de mim
Preenche-me o vazio

sábado, 22 de março de 2008

Für Elise


Pára!
Mais não
Não quero,
Não!

Estou cansada
Dói tanto;
O que tu me obrigas
Estou reduzida a este pranto!

Malvado ser sorridente!
A tua consciência pouco se importa
Só te preocupas em dar à corda!

Banal saltatriz dançante
De alma magoada
E perna quebrada

Toca e toca sem parar
Nem mais um minuto vou aguentar
Melodia (crack, crack)
Tenho uma perna para amputar

Chega-te perto,
Vamos dançar.

sexta-feira, 21 de março de 2008

A vodka era Russa


Estás a ver-me?
Não estás não
Consigo olhar?
Porque não?

Tenhos dois pés, amputados
Duas mãos, para o transfiguradas
E um peito deformado

Alegrias - doce vinho barato

Tenho alma, pudor
E um desejo a concretizar
Mendigo da cidade banal
Invisível homem a conspirar

Vou pegar fogo - a ti
Irei encontrar - a tua morada
Perseguir-te-ei até ao fim
E só por me teres visto a mim

Já vai longa a vida
E sou louco
Dá-me éther
Fica mais um pouco

quinta-feira, 20 de março de 2008

Crónicas de vento


Dá-me água
E algum pão
Preenche-me de vida
Deixa-me falecer em ilusão

O chão é branco
Talvez cinzento
É bonito, agora que o vejo
Mas nada de grande emoção

Tive que sorrir
Era o trabalho
Recebi dinheiro
Ainda que vá morrer aqui

Sou uno com o elemento
Perfeito para meditar
Pequeno toque de inveja
Nada me dá alento

Morre - dizes tu
Falece de uma vez!
Sopra a vida e vai agora

Ponto final parágrafo

quarta-feira, 19 de março de 2008

Conto de Fadas


Pequeno Gambuzino amarelo
Tinha um problema de luz
Nasceu terrivelmente enfermo
Não tinha corpo que lhe fizesse juz

Pobre chavalo sem asas
Era o que muitos o chamavam
Mais valia ser peixe e não nadar
Do que luzir sem voar

E nos seus 24 dias
Nenhum foi aproveitado
Seguiu-se um, dois e três
E o céu sentiu-se rejeitado

Não houve loucura
Nem tão pouco cópula insana
Era mais um aleijado,
Um pobre coitado

terça-feira, 18 de março de 2008

Quando Kafka Voou


Um dia tive um gato
Guardado num bolso por aí
Focou-se no desejo
De um dia voar.

Tinha pena do bichinho
Porque lixada era a gravidade
Tal era a atracção
Que só restava cair

Muitas noites chorou
E entre soluçoes engasgou
Ainda tentei demovê-lo
Mas era demasiado pequeno
De jovem não lhe serviu o pepino
E morreu para sonhar
A meio da queda
Os cristais olhos quebraram

Não valia a pena desejar
Ele nunca mais iria cantar.